Os Caminhos Portugueses:
Um pouco de História
História do Caminho
Existem vários Tiagos (ou Santiagos - São Tiago) no Novo Testamento – O Santo de que falamos é Tiago “Maior” filho de Zebedeu e Salomé, pescador, irmão de João, o evangelista, e um dos quatro primeiros discípulos de Jesus. A palavra latina para Santiago é Iacobus de onde vem a palavra Jacobeu (Iacobeu em Latim e Xacobeu em Galego) que é utilizada para definir algo referente ou pertencente ao apóstolo ou ao seu culto.
Segundo a lenda católica, após a dispersão dos Apóstolos pelo mundo, Santiago foi pregar em regiões longínquas, passando algum tempo em Espanha, na Galiza. Quando voltou à Palestina, no ano 44, foi preso e decapitado, a mando de Herodes Agrippa I, filho de Aristobulus e neto de Herodes o Grande. Dois de seus discípulos, Teodoro e Atanásio, roubaram o corpo do mestre e embarcaram-no (num barco com tripulação angélica) e em sete dias chegaram à Galiza e a Iria Flávia onde o sepultaram, secretamente, num bosque de nome Libredón.
Não há certezas quanto à data da descoberta do sepulcro apostólico, mas a maioria das fontes católicas apontam datas entre 813 e 820. A lenda conta que um ermitão do bosque de Libredón, de nome Pelágio (ou Pelaio), observou durante algumas noites seguidas uma “chuva de estrelas” sobre um monte do bosque. Avisado das luzes, o bispo de Iria Flávia, Teodomiro, ordenou escavações e encontrou uma arca de mármore com os ossos do santo e dos seus discípulos.
Mas já muito antes da data apontada pela igreja para a descoberta da tumba do apóstolo, existia uma rota de peregrinação (romana e anteriormente celta), que ia do extremo Este ao Oeste de Espanha, até Finisterra. Este velho caminho de peregrinação, simbolizava a viagem do sol de Oriente para Ocidente, “afogando-se” no oceano para voltar a surgir no dia seguinte. O renascer do Sol estaria intimamente ligado com o renascer da vida; fala-se também de uma rota para o templo de Ara Solis em Finisterra, erigido para honrar o Sol. Hoje em dia, são muitos os peregrinos que chegando a Santiago resolvem continuar o Caminho até Finisterra o que põe em causa a definição da rota apenas como uma peregrinação religiosa católica.
No "Campus Stellae" – de onde se crê provir a palavra Compostela – foi erigida uma capela para proteger a tumba do apóstolo que se tornou um símbolo da resistência cristã aos ataques dos mouros. A partir do ano 1000 as peregrinações a Santiago popularizam-se, tornando-se a cidade num dos principais centros de peregrinação cristã (a par de Roma e Jerusalém); é também nesta altura que surgem os primeiros relatos de peregrinos que viajaram a Compostela.
No século XII é publicado o primeiro guia do peregrino (do Caminho Francês) – o Códice Calixtino (ou Liber Sancti Jacobi) atribuído ao Papa Calixto II, que proclama ainda que quando o dia do Santo (25 de Julho) é num Domingo, esse é um Ano Santo Jacobeu (com especiais bênçãos e privilégios espirituais para os peregrinos). Grupos de peregrinos começam a chegar de toda a Europa, desenvolvendo as cidades por onde passam, sendo o Caminho Francês o mais utilizado.
O Caminho de Santiago, tal como relatado no Códice Calixtino, é em terra o desenho da Via Láctea, porque esta rota se situa directamente sob a Via Láctea que indica a direcção de Santiago, servindo assim, na Idade Média, de orientação durante a noite aos peregrinos. Esta associação deu ao Caminho o nome de Caminho das Estrelas e fez com que a chuva de estrelas seja um dos símbolos do culto Jacobeu, juntamente com a Vieira, a Cabaça e o Bordão.
A partir do século XIV, o Caminho entra em declive com a Peste Negra e o declive é acentuado mais tarde pela Cisão da Cristandade (entre protestantes e católicos). Durante os séculos XVII e XVIII, as redes de comunicação são melhoradas e o Caminho recupera, mas volta a ter um declínio no século XIX com a Revolução Industrial e os descobrimentos científicos e intelectuais.
A Peregrinação nos dias de hoje
Hoje em dia, parece que a peregrinação volta ao seu esplendor inicial. A cidade de Santiago de Compostela foi declarada "Património da Humanidade" pela UNESCO em 1985, e o Caminho de Santiago foi declarado “Conjunto Histórico-Artístico” em 1962 e, reconhecido pelo Conselho da Europa como "Primeiro Itinerário Cultural Europeu" em 1987 por estar repleto de marcos arquitectónicos (românico, gótico, barroco e neoclássico).
Nos dias que correm, os motivos que, segundo os peregrinos, os levaram a Santiago são vários: um espírito religioso (cristão ou não), misticismo, busca interior, turismo, desporto ou apenas uma grande aventura. Embora não exista um ponto de partida “oficial”, porque muitos europeus resolvem seguir os seus antepassados à letra e sair da porta de casa, a maioria opta por começar o Caminho na fronteira Franco-Espanhola, saindo de Saint-Jean-Pied-de-Port, de Roncesvalles ou de Somport. Segundo os dados da oficina do peregrino em Compostela, no ano de 2003 74614 peregrinos solicitaram o comprovativo oficial da conclusão do Caminho, a Compostelana, (destes 1.658 são portugueses). Se tomarmos em consideração que nem todos os peregrinos pedem este certificado, por se tratar de uma certidão católica, pensa-se que o número é muito superior.
O Caminho tornou-se muito popular nos últimos anos devido a vários factores. Por exemplo, as autoridades espanholas e as juntas locais, fazem os possíveis e impossíveis para atrair peregrinos, publicitando o Caminho e melhorando as infra-estruturas para os receber, já que são estes “turistas” que mantém vivas muitas das aldeolas ao longo da rota.
Santiago de Compostela é por excelência o padroeiro da Península Ibérica, pois segundo a lenda católica foi o apóstolo que procedeu à sua evangelização. Os nossos monarcas demonstraram também uma devoção pelo santo, D. Afonso II peregrinou a Compostela em 1220 e em 1225 foi a vez da Rainha Santa Isabel. A ordem Militar de Santiago, criada para combater os muçulmanos, foi fundada em 1170 pelo rei Fernando II (de Castela) e foi introduzida em Portugal aproximadamente no ano de 1172. Santiago foi protector do exército português até à crise de 1383-1385, altura em que foi substituído por São Jorge, por influência Inglesa, e pela necessidade de chamar por um santo diferente dos partidários de Castela.
Apesar desta mudança de patrono, o culto de Santiago não desapareceu. A prová-lo estão as inúmeras misericórdias, albergarias, hospitais, igrejas e ermidas dedicadas ao Apóstolo Santiago espalhadas pelo país. As próprias lendas jacobeias estão intimamente ligadas ao nosso país – por exemplo a lenda dos Galos em Santo Domingo de la Calzada e a lenda do Galo de Barcelos contam a mesma história.
A palavra Peregrino vem do Latim peregrinus estrangeiro, de per + agr-, (ager campo), literalmente pelo campo, o que era bastante comum – cortar Caminho pelos campos para evitar encontros indesejáveis com bandidos e salteadores.
O Traçado
Em rigor não podemos, pois, apontar apenas um Caminho Português, antes da marcação do Caminho pelas várias associações e entidades competentes – o que só começou a acontecer nos últimos anos: não havia nem início, nem um percurso definido. Não é a nossa intenção indicar o “verdadeiro Caminho” porque ele, como já referimos, em rigor não existe. Por isso, se apresentam os percursos identificados como os mais seguidos (marcados ou em processo de marcação). Há vários relatos de peregrinos que viajaram para Santiago do sul do nosso país, mas ainda não foi feito o levantamento de nenhum percurso a Sul de Lisboa embora saibamos que existiam. (conferir mapa)
A partir de Lisboa podemos falar de dois grandes Caminhos que atravessam o país de Sul a Norte, um na costa e um no interior. De Lisboa seguem em direcção a Coimbra (existem duas variantes por Tomar – que corresponde, até Santarém ao Caminho do Tejo - ou por Leiria). Em Coimbra existem também duas alternativas, pelo interior (por Viseu e Chaves que sai de Portugal em Feces de Abaixo e se junta à Via da Prata em Verin), ou pela costa (em direcção ao Porto). No Porto temos opção entre Barcelos e Braga. Em Braga segue para Ponte de Lima ou para a Portela do Homem, em Barcelos segue para Viana do Castelo ou para Ponte de Lima. De Ponte de Lima segue para Ponte da Barca e Vilarinho das Furnas ou para Valença. Existe ainda uma outra alternativa entre Caminha e Vila Nova de Cerveira.
A sinalização do Caminho é feita com setas amarelas e placas de identificação (não confundir com as setas azuis que marcam o Caminho de Fátima).
A via da Prata passa também por Portugal mas não podemos considerar o Caminho Leonês como um Caminho Português embora fosse também utilizado por peregrinos portugueses que moravam nas imediações do Caminho.