Dois Almeirinenses a caminho de Santiago de Compostela.
Sérgio e Luís Dias são primos e decidiram, aos 47 anos, empreender uma jornada de aventura e fé. Começaram a percorrer de bicicleta BTT o caminho que liga Lisboa a Santiago de Compostela. Move-os a fé com o sentido de penitência e o amor pela BTT e a natureza. Nos primeiros dias, trilharam a lezíria. Encontraram outros peregrinos, na sua maioria espanhóis e franceses. Cruzaram-se também com os animais característicos do Ribatejo – cavalos e touros. Ficam episódios divertidos como aquele em que um deles foi perseguido por um cavalo a galope, de tal modo que lhe sentiu o bafo no pescoço. Passou o susto, ficou a recordação. De Lisboa seguiram até Santarém, onde pararam nas Portas de Sol; Tomar veio antes de Coimbra. Hão-de passar pela Mealhada, Lourosa, Gaia, Ponte de Lima e Valença – último reduto português. Seguir-se-á a Galiza.
FALTA FOTO
(à partida, frente à Sé Patriarcal de Lisboa)
Esta caminhada está pautada pela dificuldade do percurso que raramente inclui estradas. Servem-lhes de vias os carreiros dos montes e o rasto de outros que por aí já passaram. Nem tudo é duro. Tomaram banho, que nem crianças a brincar, nos ribeiros encontrados pelos vales e montes. Pararam em tascas perdidas nas encostas, onde conversaram e ouviram histórias da terra e de outros peregrinos como eles. Pelo trilhar dos quilómetros, encontram sempre a boa disposição de quem vão conhecendo e a beleza de um país ainda desconhecido. Pedalam sem descanso para conseguirem diariamente fazer entre 80 a 100 quilómetros: uns mais planos, outros sempre a subir.
Para Sérgio, o melhor desta aventura é ter tempo para estar consigo próprio. Mesmo sendo dois neste caminho, mesmo conversando juntos, há momentos de solidão e, neles, quer queiram quer não, há um tempo de meditação. Afirma que “questionando-se a si próprio, obrigamo-nos a repensar os nossos limites e tentamos ultrapassá-los continuamente. Pedimos de nós aquilo que pensávamos ser impossível. Isto aproxima-nos da natureza, do que nos rodeia e, quiçá, de Deus”. Uma coisa que o choca é o vazio das aldeias, o que lhe tem dado uma perspectiva bem diferente do nosso país. Sente que há um Portugal lindíssimo e rico abandonado por todos. Raramente, consegue entrar numa igreja ou capela, pois estão fechadas.
Quanto a Luís, o percurso fascina-o há alguns anos. Primeiro, porque a tarefa pareceu-lhe sempre desafiadora; segundo, porque outros já provaram que com esforço e empenho tudo é possível. Também é para ele um momento libertador, “não há telemóvel, nem pressões, nem problemas para resolver, apenas tempo para desfrutar da natureza, dos saberes de outros e de si próprio, porque a vida moderna não nos deixa tempo para o Eu interior; estamos constantemente virados para o exterior valorizando o que nos rodeia em detrimento do que sentimos por dentro”. Valoriza a fé e o esforço dos vários peregrinos, que tem encontrado, e que fazem este caminho a pé. Deve-se referir que o caminho português até Santiago de Compostela conta com cerca de 650 quilómetros. Alguns peregrinos – sobretudo franceses – percorrem o caminho francês que já conta com cerca de 900 quilómetros.
FALTA FOTO
(Trilhos no meio do mato e dos montes)
Claro que é uma caminhada de sacrifício quer pelo esforço humano quer pelo desapego daquilo que rege normalmente o dia-a-dia. Não sabem quando acabará esta aventura, porém há-de acabar em Santiago de Compostela. Se tudo correr bem, em breve. Havendo contratempos, terá de ser acabada noutro tempo. Querem repetir a experiência com outros percursos, outros objectivos, mas sempre com a vontade de se superarem a si próprios e descobrir que limites tem Deus para eles.